Queridos e queridas pequeninas,
Quando vocês vieram ao mundo encheram de luz a vida de seus pais e familiares. Vocês foram muito aguardados e, em sua chegada, nós choramos, mas não se preocupem, porque era choro bom, de alegria.
A casa, o quarto, roupinhas, brinquedos tudo estava prontinho para receber e acolher vocês.
Pedrinho, eu acompanhei sua chegada de pertinho e lembro que até o Calango estava ansioso para lhe conhecer. Ele se aproximou de seu berço, muito curioso, no primeiro dia!
Sobrinhos, o mundo é um lugar bonito, cheio de novidades, sons, cores, sabores diversos. E quando prestamos atenção em cada expressão de descoberta de vocês, nós adultos também conseguimos reviver um pouco a magia de estar aqui e nos deixar tocar por simples acontecimentos do nosso dia a dia. A luz passando pela copa de uma árvore, o metrô vindo veloz dentro do túnel da estação foram algumas coisas que vi de outro jeito ao olhar junto com o Pedrinho, me lembro...
Tem uma música que diz que “é honra dos homens proteger ao que cresce”, essa música se chama “Canción para un niño em la calle”, significa “Canção para uma criança na rua”. Eu sei que vocês ainda não sabem disso, porque é muito cedo para saber, mas existem crianças que passam longo tempo nas ruas das cidades, sem proteção. A vida delas é muito difícil. Então o mundo é um lugar incrível, belo e pleno de possibilidades para vivermos bem, mas, ao mesmo tempo, é um lugar muito difícil também. Os motivos para isso são vários e bem antigos, nem mesmo os adultos conseguem entender perfeitamente, por completo, embora tentem.
Então, os adultos que devem proteger os que crescem e fazer do mundo um bom lugar onde cada um e cada uma de vocês possam viver em segurança, ter saúde, conviver com sua família, seus amigos e sua comunidade, brincar, aprender bastante, criar, inventar, se alimentar, passear e receber muito amor e carinho, às vezes esses adultos se atrapalham, se esquecem das responsabilidades que têm com vocês, com os outros, com o que está por vir e ficam muito vidrados pensando só nos próprios interesses, no momento imediato – suas próprias casas, seus próprios carros, suas roupas e sapatos, seus dinheiros, suas viagens, suas verdades, seus poderes e tantas coisas mais. A gente costuma chamar isso de egoísmo, não é? E egoísmo não é um bom comportamento para vivermos juntos.
Há outros comportamentos e sentimentos que também não são bons para vivermos juntos – quero dizer – juntos em diferentes espaços, desde a nossa casa, até a escola, as ruas, a praça, o parque, as lojas, a praia, enfim todos os espaços que existem em nossa cidade, em nosso país. Por causa desses comportamentos e sentimentos ruins para uma vida em conjunto, eu, suas mães, seus pais, suas avós estamos bastante preocupados ultimamente. Eu sei que vocês não sabem ainda o que significam e como funcionam os sistemas políticos, sociais e econômicos que ordenam a nossa vida em conjunto – o que chamamos de sociedade. É mais um daqueles assuntos difíceis.
Vocês hoje são pequenos e pequenas e vão crescendo pouco a pouco. Nós adultos queríamos muito oferecer a vocês um mundo em que meninas e meninos, homens e mulheres, pessoas negras, indígenas, brancas e de todas as cores, pessoas estrangeiras que vivem no Brasil, pessoas que têm deficiências e habilidades, pessoas que trabalham em todos os trabalhos e estudam em todas as escolas pudessem ter os mesmos direitos, as mesmas oportunidades, pudessem ser respeitadas e pudessem ser livres para escolher a profissão a seguir, a quem amar, que ideias e sonhos cultivar, que religião professar, que tipo de música escutar, para onde ir e onde ficar. Enfim, que fossemos de fato, livres e iguais. O sonho de um mundo assim não é novo, muitas outras pessoas já o sonharam e tentaram realiza-lo. Caminhamos um pouco em direção a ele, às vezes voltamos passos atrás para mais distante desse sonho.
Eu sei que vocês não sabem muito bem o que é um processo eleitoral, mas exatamente nesse ano estamos passando por um. Estamos elegendo os governantes do país e dos estados. E essas eleições têm deixado como eu já disse, a mim, às suas mães, pais e avós, particularmente preocupados. Alguns candidatos aos governos de estados e, principalmente, um dos candidatos à presidência tem um comportamento e sentimentos que não são bons para vivermos juntos. E nossa grande preocupação é que esses candidatos ganharam o apoio de muitas pessoas em nosso país. Acontece que, se eles ganharem as eleições, principalmente a eleição para presidente, se o Jair Bolsonaro se tornar presidente do Brasil, esse mundo de igualdade, respeito, liberdade e dignidade estará cada vez mais distante. Porque de acordo com as coisas que ele fala, o mundo que ele quer construir não é um bom lugar para vivermos juntos, pois é um mundo em que a gente não pode ser diferente, pensar diferente, sonhar diferente. No mundo de pessoas como o Jair Bolsonaro e seus apoiadores os homens têm mais valor que as mulheres, os brancos têm mais valor que os negros e os índios, as pessoas não podem escolher quem amar, pois a única relação permitida é entre homem e mulher, os ricos têm mais valor que os pobres e os patrões têm mais valor que os trabalhadores. No mundo de pessoas como o Jair Bolsonaro os problemas e as diferenças de ideias se resolvem com a violência e com as armas, as pessoas que têm mais riqueza e poder estão autorizadas a machucar as outras que são e pensam diferente delas.
Por isso estamos preocupados e precisamos dizer que sentimos muito, pedimos muitas desculpas a vocês por não termos conseguido até aqui proteger o futuro de vocês contra todas essas ameaças. Muitos de nós tentamos, procuramos fazer nosso melhor para que ao chegarem ao nosso mundo, nossa casa, vocês e todas as crianças que nascem sejam bem acolhidas. Nesse momento estamos vivendo um grande desafio. Por enquanto estamos sofrendo grandes perdas. Mas não desistimos, não abandonaremos o seu futuro e o nosso, continuaremos tentando, com todas as nossas forças, fazer desse mundo, principalmente desse Brasil, um lugar melhor para vivermos juntos. E quando nós estivermos bem velhinhos e velhinhas, vocês continuarão a fazer isso por nós, pelos que vieram antes e pelo que virão.
Com amor,
Tia Ana.
São Paulo, 12/10/2018.